segunda-feira, 11 de julho de 2011

O estético e o ético interpelados pela poesia



“Mas como explicar então que o diário tenha tomado uma feição de tal modo poética? A resposta não apresenta dificuldades, resultando de possuir ele, na sua pessoa, uma natureza poética que não era, se o quiserem, nem suficientemente rica nem suficientemente pobre para distinguir entre a poesia e a realidade. O tom poético era o excedente fornecido por ele próprio. Esse excedente era a poesia cujo gozo ele ia colher na situação poética da realidade, e que retomava sob a forma de reflexão poética. Era este o seu segundo prazer e o prazer constituía a finalidade de toda a sua vida. Primeiro gozava pessoalmente a estética, após o que gozava esteticamente a sua personalidade. Gozava pois egoisticamente, ele próprio, o que a realidade lhe oferecia, bem como aquilo com que fecundava essa realidade; no segundo caso, a sua personalidade deixava de agir, e gozava a situação, e ela própria na situação. Tinha a constante necessidade, no primeiro caso, da realidade como ocasião, como elemento; no segundo caso a realidade ficava imersa na poesia. O resultado da primeira fase era pois o estado de espírito, de onde surgiu o diário como resultado da segunda fase, tendo esta palavra um sentido algum tanto diferente nos dois casos. Graças à ambiguidade em que decorria a sua vida, sempre ele esteve sob o império de uma influência poética.”

KIERKEGAARD, Søren Aabye. Diário de um sedutor. Tradução de Carlos Grifo, Maria José Marinho, Adolfo Casais Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 28-29.

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