domingo, 24 de julho de 2011

O Estatuto da Criança e do Adolescente na escola

Por Carlos Jorge da Silva Correia e Cristina Gomes dos Santos

Tela de Ruud Van Empel


O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA sem dúvida alguma repousa entre as legislações mais avançadas no que se refere à garantia dos direitos humanos das crianças e adolescentes brasileiros. Baseado no princípio de que certos direitos são fundamentais ao adequado desenvolvimento das crianças e adolescentes, o ECA busca garantir o acesso e permanência das crianças à educação básica, bem como assegurar-lhes outros direitos como a saúde, a convivência familiar e a proteção social.

É, pois, uma legislação que se propõe a estabelecer parâmetros basicamente para a garantia de direitos sociais, econômicos e culturais, isto é, direitos de terceira geração, às crianças e adolescentes de nosso país. Contudo, não podemos deixar de considerar que muitos desses direitos parecem estar sendo sistematicamente violados, a tomar como verdadeiras as manchetes quase diárias de agressão familiar, violência sexual contra a infância e exploração da mão de obra de crianças, é quase certo que o ECA ainda precisa ser efetivamente posto em prática na realidade de muitas dessas crianças e adolescentes.

Sendo assim, ao sermos convidados a visitar uma escola a fim de tecer algumas considerações sobre como os direitos das crianças e adolescentes estavam ou não sendo respeitados pela comunidade escolar visitada, ao sermos convidados a realizar essa tarefa, resolvemos visitar uma escola municipal na cidade de União dos Palmares, interior do estado de Alagoas.

Ao chegarmos à escola, apresentamo-nos e esclarecemos o objetivo de nossa visita, na oportunidade em que convidamos a Diretora e Coordenadora Pedagógica para uma conversa sobre os direitos das crianças e adolescentes naquela comunidade.
Em primeiro lugar, perguntamos sobre a realidade da escola e se efetivamente, na opinião daquelas profissionais, vinha sendo garantido aos alunos uma educação de qualidade. A resposta a esta pergunta nos soou conhecida, em síntese testemunhamos o discurso sobre as dificuldades que as escolas têm enfrentado para educar os jovens mesmo diante de várias circunstâncias negativas como a falta de recursos e reconhecimento do trabalho docente, contudo, as entrevistadas foram categóricas ao pontuarem que, pelo menos naquela escola, os professores e funcionários estavam todos conscientes da necessidade de se fazer um trabalho pedagógica que fosse capaz de garantir uma boa formação aos alunos e, na opinião delas, isso vinha sendo realizado.

Por outro lado, de acordo com as entrevistadas em se tratando de outros direitos, como a saúde e o acesso a bens culturais, por exemplo, é verdade que a realidade mostra que tais direitos são negados às crianças da comunidade escolar. Ainda nesse sentido, para elas as crianças não têm naquele bairro oportunidades de lazer, de cultura ou até mesmo posto de saúde, o que caracteriza nas palavras das entrevistadas “um caos” em relação a esses direitos básicos, o que, na opinião dessas profissionais, também afeta a escola, pois as crianças sem esses direitos não podem se desenvolver em toda a potencialidade que possuem.

Ou seja, o cenário que esboçamos com base nessas declarações foi um pouco inusitado: dentro dos muros da escola as crianças e adolescentes estavam sendo protegidas e tendo acesso à educação de qualidade e fora dos muros da escola essas mesmas crianças estavam tendo seus direitos violados ou negados. Pergunta-se: Será esse diagnóstico verdadeiro ou as entrevistadas não conseguiam enxergar o fato de que, provavelmente, a própria escola também estava violando direitos daquelas crianças?

Não estamos aqui para apontar erros na conduta profissional de ninguém, porém, parece-nos um pouco quanto obtuso da parte das entrevistadas reconhecerem que direitos como o lazer e o acesso a bens culturais estavam sendo negados às crianças, achando que isso nada tem a ver com a própria escola. Afinal de contas, uma das funções da escola é justamente propiciar aos alunos esses direitos, de maneira que avistamos na postura daquela comunidade escolar uma inclinação à terceirização da responsabilidade de formar integralmente a criança e o adolescente, pois, não obstante as dificuldades enfrentadas e a constatação de que direitos básicos estão sendo negados às crianças daquela escola, as entrevistadas parecem não ter nenhuma proposta de intervenção nessa realidade.

Em conformidade com as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 53 incisos de I ao VI “a criança e o adolescente tem direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...]”.

O acesso à educação é assegurado legalmente, tendo em vista se constituir como mecanismo fundamental ao desenvolvimento de qualquer nação, mas depara-se diante de sérios desafios, pois o cumprimento desse direito deixa a desejar. Apesar do compromisso em fazer valê-lo a este segmento estar na escola ainda se identifica de modo geral parte dele sem acesso a vagas, demonstrando este direito ser violado pelo Estado cujo motivo dentre os apontados é devido à falta de documentos, configurando assim no descumprimento a este direito. Também, o art. 94, inciso XIX da referida lei menciona que as entidades de atendimento que desenvolvem programas de internação são responsáveis por “providenciar os documentos necessários ao exercício da cidadania àqueles que não os tiveram”, bem como é acrescentado no art., 136 inciso VIII, como atribuição do Conselho Tutelar requisitar certidões de nascimento [...].

No entanto, sendo a falta de vaga ou de documentação um dos impedimentos para que este direito seja violado é evidente que esforços sejam empreendidos pelos estabelecimentos de ensino para que o quantitativo daqueles que os frequentam seja maior comparado àqueles que estão fora da escola, mas ainda há muito a ser feito para fazer com que criança e adolescente sejam estimulados a permanecer os estudos. Um exemplo claro disso é a questão das escolas considerarem o que preconiza o art. 58 deste Estatuto “no processo educacional respeitar-se-ão aos valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura”.

Assim, a escola além de ser espaço de convívio com a diversidade também pode ser espaço para o lúdico, tendo em vista que os municípios devem destinar recursos e espaços para as programações de lazer voltadas para a infância e a juventude como recomenda a supracitada lei; contudo, ainda assim, nos deparamos diante de situações como a presenciada na referida escola que pouco faz para este direito ser garantido na sua integralidade.

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